segunda-feira, 23 de abril de 2012

Não se ofendam

Uma das maiores ilusões que a democracia nos confere é a de que podemos nos expressar livremente. Ilusão porque isto de fato nunca aconteceu. Há sempre alguém usando suas credenciais de autoridade para cercear a opinião do outro, as críticas, menos a bajulação, esporte de muitos. Os exemplos se multiplicam e se espalham internet afora, pois a mídia tradicional está na mistura Johnnie Walker + Activia para essas coisas, e eu não vou  elencá-los aqui. Prefiro os últimos acontecidos na Terra de Zumbi.

O grande alvo das críticas são os gestores municipais: prefeito, vice-prefeito, secretários etc. O exercício de um cargo público implica em sabores e dissabores numa lógica óbvia: o sabor de um elogio verdadeiro e merecido vem por consequência de uma administração eficiente que, dentre outras coisas, realçam as potencialidades locais seja na área cultural ou econômica. A crítica, que necessariamente não significa ofensa como muitas vezes é entendida, em geral se faz à má gerência dos recursos públicos, pelas desculpas inócuas, pelos atrasos de uma obra ou a não realização desta.

Como um prefeito pode se defender da falta de calçamento, para citar apenas um assunto polêmico, no bairro Roberto Correia de Araújo enquanto gasta uma bela quantia mensalmente com o Projeto Som na Praça? O projeto é bom para a cultura do município, sim, então por que não se faz projeto semelhante para a melhoria das vias públicas, ou seja, as ruas nossas descalças/esburacadas de todos os dias? O Projeto Asfalto nas Ruas, nesse um bairro seria calçado por mês. Enfim, como não criticar algo que nos incomoda cotidianamente?

Foto: Sérgio Rogério - Acorda União.

As redes sociais da Internet estão servindo de plataforma para externar esse tipo de indignação e exigir do poder público as respostas. E estão sendo usadas diametralmente para o propósito contrário, defender o indefensável, cujo último episódio rendeu centenas de comentários no Facebook. Motivo: esposa em defesa do marido, gestor municipal. Acabou que a defesa pareceu mais um ato de retaliação ao crítico que defesa propriamente dita, uma vez que as respostas legítimas e devidas ficaram de lado. Crítica se defende com argumentos e, no caso dos gestores, com ações que resolvam os problemas.

Muitos assuntos são tabus palmarinos. Não se pode falar "mal" de certas pessoas, há riscos à saúde, nem de certas práticas tradicionais, há risco de exclusão social por isso. O resultado é um atraso imenso. Quando ninguém nos diz onde erramos a tendência é pensar que estamos o tempo todo agindo corretamente. Crítica pela crítica, pelo prazer de falar mal apenas, também não leva a nada. Equilíbrio e bom senso ainda são as melhores ferramentas para resolver conflitos. Até os reis tinham conselheiros, alguns com ousadia suficiente para dizer "não", lembremos. Isto aqui é uma democracia, ainda. Cheia de problemas, entretanto muito melhor que uma ditadura. As críticas sempre existirão, afinal as escolham também.

Para concluir, reproduzo um textículo publicado no meu perfil do Facebook recentemente:

Isso é até chato de dizer, porque é por demais desnecessário. OPINAR significa divergir, ratificar, retificar etc. É um ato que exige reflexão, colher informação sobre um determinado objeto (no sentido científico da coisa) e posicionar-se a respeito deste. É, portanto, uma dialética constante, principalmente no campo das ideias, que se transmutam ao sabor do tempo e das humanidades. Pessoas inteligentes debatem ideias, e sabem que a discordância não cria obrigatoriamente inimigos. Pessoas inteligentes, no debate, não se ultrajam mutuamente. Pessoas inteligentes não entram em debates inúteis. Pessoas inteligentes, após o debate, tomam juntos uma cerveja (ou vinho, ou copo d'água) para comemorar essa dádiva da democracia.

Gestores e demais autoridades, não se ofendam, reajam à altura de seus cargos, com decência, prudência e, mais importante, qualidade na execução dos serviços públicos. Porque enquanto problemas que poderiam ser resolvidos existirem, estaremos aqui verbalizando nossa indignação.

sábado, 21 de abril de 2012

Intolerância religiosa (por Drauzio Varella)


SOU ATEU e mereço o mesmo respeito que tenho pelos religiosos.

A humanidade inteira segue uma religião ou crê em algum ser ou fenômeno transcendental que dê sentido à existência. Os que não sentem necessidade de teorias para explicar a que viemos e para onde iremos são tão poucos que parecem extraterrestres.

Dono de um cérebro com capacidade de processamento de dados incomparável na escala animal, ao que tudo indica só o homem faz conjecturas sobre o destino depois da morte. A possibilidade de que a última batida do coração decrete o fim do espetáculo é aterradora. Do medo e do inconformismo gerado por ela, nasce a tendência a acreditar que somos eternos, caso único entre os seres vivos.

Todos os povos que deixaram registros manifestaram a crença de que sobreviveriam à decomposição de seus corpos. Para atender esse desejo, o imaginário humano criou uma infinidade de deuses e paraísos celestiais. Jamais faltaram, entretanto, mulheres e homens avessos a interferências mágicas em assuntos terrenos. Perseguidos e assassinados no passado, para eles a vida eterna não faz sentido.

Não se trata de opção ideológica: o ateu não acredita simplesmente porque não consegue. O mesmo mecanismo intelectual que leva alguém a crer leva outro a desacreditar.

Os religiosos que têm dificuldade para entender como alguém pode discordar de sua cosmovisão devem pensar que eles também são ateus quando confrontados com crenças alheias.

Que sentido tem para um protestante a reverência que o hindu faz diante da estátua de uma vaca dourada? Ou a oração do muçulmano voltado para Meca? Ou o espírita que afirma ser a reencarnação de Alexandre, o Grande? Para hindus, muçulmanos e espíritas esse cristão não seria ateu?

Na realidade, a religião do próximo não passa de um amontoado de falsidades e superstições. Não é o que pensa o evangélico na encruzilhada quando vê as velas e o galo preto? Ou o judeu quando encontra um católico ajoelhado aos pés da virgem imaculada que teria dado à luz ao filho do Senhor? Ou o politeísta ao ouvir que não há milhares, mas um único Deus?

Quantas tragédias foram desencadeadas pela intolerância dos que não admitem princípios religiosos diferentes dos seus? Quantos acusados de hereges ou infiéis perderam a vida?

O ateu desperta a ira dos fanáticos, porque aceitá-lo como ser pensante obriga-os a questionar suas próprias convicções. Não é outra a razão que os fez apropriar-se indevidamente das melhores qualidades humanas e atribuir as demais às tentações do Diabo. Generosidade, solidariedade, compaixão e amor ao próximo constituem reserva de mercado dos tementes a Deus, embora em nome Dele sejam cometidas as piores atrocidades.

Os pastores milagreiros da TV que tomam dinheiro dos pobres são tolerados porque o fazem em nome de Cristo. O menino que explode com a bomba no supermercado desperta admiração entre seus pares porque obedeceria aos desígnios do Profeta. Fossem ateus, seriam considerados mensageiros de Satanás.

Ajudamos um estranho caído na rua, damos gorjetas em restaurantes aos quais nunca voltaremos e fazemos doações para crianças desconhecidas, não para agradar a Deus, mas porque cooperação mútua e altruísmo recíproco fazem parte do repertório comportamental não apenas do homem, mas de gorilas, hienas, leoas, formigas e muitos outros, como demonstraram os etologistas.

O fervor religioso é uma arma assustadora, sempre disposta a disparar contra os que pensam de modo diverso. Em vez de unir, ele divide a sociedade -quando não semeia o ódio que leva às perseguições e aos massacres.

Para o crente, os ateus são desprezíveis, desprovidos de princípios morais, materialistas, incapazes de um gesto de compaixão, preconceito que explica por que tantos fingem crer no que julgam absurdo.

Fui educado para respeitar as crenças de todos, por mais bizarras que a mim pareçam. Se a religião ajuda uma pessoa a enfrentar suas contradições existenciais, seja bem-vinda, desde que não a torne intolerante, autoritária ou violenta.

Quanto aos religiosos, leitor, não os considero iluminados nem crédulos, superiores ou inferiores, os anos me ensinaram a julgar os homens por suas ações, não pelas convicções que apregoam.

Drauzio Varella
(aquele médico simpático do Fantástico)

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Religião é um dos temas que mais gostamos de debater aqui no blog. Como podem ver em nossos perfis, não temos vínculo religioso algum, no entanto, nem por isso somos contra a religião ou quem a pratica. O que não toleramos é a intolerância dos religiosos e, ao contrário deles, estamos sempre abertos ao diálogo decente. Quem pensa como nós compreende como é ser ateu/agnóstico num país onde um padre é venerado como o próprio Deus, onde não professar a fé da família implica em olhares enviesados, quando não se é banido, excluído. Então, o texto do Drauzio Varella, por sua visibilidade na mídia, vem com aquele sabor de "Era o que tínhamos a dizer..." (como disse o Juca Kfouri em seu blog). Ser diferente não é fácil no Brasil, por isso somos tão poucos. (10inquietos)

O texto foi extraído daqui.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

O povo não é bobo (ou não deveria ser), aumento de passagem é roubo!


Bom, nesses últimos dias os estudantes do ensino superior e médio/técnico de União dos Palmares que utilizam o transporte particular para poder estudar, tiveram mais uma novidade que não agradou nem um pouco, a novidade foi o aumento do valor da passagem que passará de R$24,00 (preço já absurdo) para R$28,00 o que se torna um roubo, pelo menos é assim que o estudante se sente, pois um aumento de 16,6% de uma só vez não é justo e além do mais só informaram isso aos estudantes com uma semana de antecedência o que completa a falta de respeito.
De fato já ocorreu muita discussão sobre esse tema em União dos Palmares (vale frisar que é o único município alagoano que oferta transporte escolar a universitários e cobra por esse serviço), mas nunca se teve um resultado bom para os estudantes, pois a desculpa do Excelentíssimo Senhor Prefeito Areski Freitas e de outros que passaram pela prefeitura é que existe uma lei que os ampara, realmente essa lei existe, posto ela abaixo para que os demais tenham conhecimento:
Quanto à área de competência do Município, cabe a transcrição do que dispõe o art. 11 da Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996:
Art. 11. Os Municípios incumbir-se-ão de:
VI – assumir o transporte escolar dos alunos na rede municipal. (incluído pela Lei nº 10.709, de 31.7.2003) (grifado)
Assim, fica absolutamente claro que ao Município compete oferecer o ensino fundamental e a educação infantil, cabendo-lhe, ainda, assegurar o transporte escolar aos alunos matriculados na sua rede de ensino. (art. 208, VII, da CF).
         Como podem ver, a lei é clara e realmente protege o prefeito nessa luta contra os estudantes e apesar de ter um parco conhecimento na área jurídica é claro que a lei diz que compete ao município assegurar o transporte escolar aos alunos matriculados na rede municipal, mas em nenhum momento a lei exclui a possibilidade da administração ofertar essa assistência aos demais estudantes, sejam eles matriculados ou não no município, mas como em nossa cidade é mais fácil gastar verba com festas e outras ações no mínimo estranhas a educação realmente fica em último plano.
            Um município com mais de 60 mil habitantes, mais de 400 pessoas que estudam fora (já que somos impedidos de estudar em nossa cidade, pois só temos uma Universidade e as vagas são ínfimas) e mesmo assim não é capaz de ofertar o transporte para esses estudantes? Sabendo também que outras cidades ofertam esse subsídio e nem vale a pena vir com a desculpa de que as outras cidades possuem menos estudantes e com isso usam menos ônibus, pois temos cidades como Coruripe e São Miguel dos Campos que oferta o transporte os três horários e além do mais a verba que vem para União dos Palmares (renda aprovada para 2012 será de R$89.910.440,00 e cerca de R$40.793.690,00 que equivale a 45,3% do montante destinados à educação) é maior do que a maioria das outras cidades.
            Como a prefeitura pode doar o combustível para uma empresa particular, pode doar até mesmo ônibus quando necessário e não pode fazer isso com essa população jovem que fará o futuro de nossa cidade? Talvez aí esteja a resposta, a Universidade abre a mente das pessoas, faz o indivíduo pensar, faz se transformarem em seres críticos e isso é um empecilho para um poder opressivo que quer pôr cabresto na população, que quer que o povo definhe cada vez mais para que se possa estar sempre por cima da carne seca, ou a explicação é essa, ou não existe explicação, sem falar no fato de apadrinhamento, que em nossa cidade se tornou de praxe, como diz o ditado: uma mão lava a outra não é prefeito? Que por sinal de acordo com os dados do IFGF (Índice FIRJAN de Gestão Fiscal) possui conceito C em administração e é considerada uma das piores cidades em termos de gestão no Brasil, tendo em vista que em investimentos possui conceito D, ou seja, o pior entre os conceitos, não é tanta surpresa que isso ocorra em União dos Palmares.
            Portando deixemos de fazer picuinhas desnecessárias e vamos à luta, pois não podemos ficar na plateia e deixar que façam o que queiram conosco, está na hora de tomarmos uma posição, dar a cara a bater, pois não temos que ser os excluídos de Alagoas, não merecemos passar por humilhações e ainda ter que se calar, não somos piores ou melhores que ninguém, apenas merecemos o mínimo de respeito. Os estudantes unidos fizeram a história do nosso país, fizeram revoluções e lutaram por um Brasil melhor, nossa cidade é o berço da liberdade e por que nós não podemos fazer o mesmo? Os tempos são outros é verdade e esse é mais um motivo para agirmos, mas se você pensa que ficar quieto e assistir a isso tudo no marasmo de sua poltrona é a melhor coisa a se fazer, se você pensa que já foi feito tudo e que nada mais resolve essa situação é lamentável, pois são covardes como você que faz nossa cidade definhar cada vez mais.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

A "pirataria" como questão territorial


“[...] partindo do fato de que o crime é detestado e detestável, o senso comum conclui, de forma errônea, que ele poderia muito bem desaparecer completamente. Com o simplismo habitual, não entende que algo repugnante possa ter alguma razão de ser útil” (Émile Durkheim em As Regras do Método Sociológico)

Desde meus primeiros dias enquanto aluno de graduação sempre estive convencido de que muito mais importante do que dizer se algo é legal ou ilegal, “certo” ou “errado”, é explicar por que ele existe. Mesmo sem nunca ter lido Dukheim, eu desconfiava que mesmo as coisas mais detestáveis no âmbito social tinham sua razão de existir. Daí o interesse muito especial por temas como a chamada “pirataria”. Como algo tão “ruim” pode estar tão arraigado na vida social do presente?

Em 2010 as filmagens das enchentes ocorridas em algumas cidades alagoanas feitas por cinegrafistas amadores locais possibilitaram que a população de diversos lugares pudesse ter imagens reais dos eventos ocorridos. Em enchentes que ocorreram anteriormente, como a que aconteceu na década de 1980, isso não era possível, o que se podia saber de detalhes era somente através de relatos de sobreviventes. Dessa vez, poucos dias depois, o DVD com as gravações estava disponível por diversas barracas de camelôs da cidade.

Já em 2011, durante a comemoração da semana da consciência negra em União dos Palmares - AL, o show de Edson Gomes aqui realizado, estava, uma semana depois, disponível para download na internet. Do ponto de vista de reprodução dos conteúdos, esse fato se assemelha ao anterior: ambos se aproveitam das condições técnicas do presente, isto é, dispositivos de gravação de imagens móveis (celular, câmeras de alta resolução etc.) e meios de divulgação também possibilitados por sistemas técnicos atuais.

No entanto, este último caso é tratado como crime. Como usos sociais dos sistemas técnicos tão semelhantes podem ser tratados tão diferentemente pelos agentes hegemônicos?

Hoje, o interesse do Estado brasileiro pela chamada “pirataria” está no sentido de extingui-la sem compreender o significado de sua existência, o que parece extremamente contraditório. Por exemplo, com a proximidade da copa no Brasil, o Conselho Nacional de Combate à Pirataria – CNCP (órgão criado em 2004) tem desenvolvido uma série de projetos que buscam eliminar essa prática nas cidades sede da copa. Entre eles, está o projeto “Cidade Livre da Pirataria” cujo objetivo é municipalizar o enfretamento da pirataria, que já obteve a adesão de diversas cidades, a saber, São Paulo, Curitiba, Brasília e, em 2011, Belo Horizonte. Além disso, vale ressaltar que no último decênio várias cidades criaram delegacias específicas para combater a prática “criminosa” como: São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Pernambuco e, em novembro de 2011, o Distrito Federal.

Quando se trata o fenômeno dessa maneira, na verdade se está trabalhando com mera abstração: a legislação é única, mas as condições dos indivíduos nos lugares são diversas. De fato, a economia, a política, o aspecto jurídico não existem concretamente fora dos lugares.

Pode a Geografia contribuir para explicação de fenômenos como esse? A resposta é tanto simples quanto ousada: IMPOSSÍVEL COMPREENDER PORQUE A CHAMADA PIRATARIA EXISTE SEM CONSIDERAR AS CONDIÇÕES HISTÓRICAS ATUAIS, ISTO É, A SITUAÇÃO TÉCNICA E NORMATIVA DO TERRITÓRIO BRASILEIRO.

A “pirataria” é algo que resulta de nossa época e precisa ser tratada assim, não como algo avesso que não tenha razão alguma de existir. A Geografia como uma Filosofia das Técnicas conduz à compreensão dos nexos que os produtos piratas estabelecem nos lugares, por que e como a população executa as atividades a ela relacionadas. É necessário, pois, atentar para a existência e não ficar preso, apenas, à discussão jurídico-normativa.

Fernando Silva
Acadêmico do curso de Geografia da Uneal, em União dos Palmares
Professor do Educandário Olímpia Augusta dos Santos


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Há um bom tempo estava com este texto "engavetado" no meu e-mail, que o Fernando Silva escreveu gentilmente atendendo ao meu pedido, cujo tema é muito pertinente e faz parte do nosso cotidiano. Com esta contribuição, inauguramos a seção "Outros 10inquietos", com textos de amigos e/ou leitores do blog, ou retirados de outros blogs/sites.
Comentem e, se algo te 10inquieta, escreva e nos envie seu texto com um breve currículo.