sexta-feira, 4 de maio de 2012

Por igualdade verdadeira, #CotasSim. #RacismoNão!


Nos dias 25 e 26 de abril deste ano, o Supremo Tribunal Federal - STF julgou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF 186, impetrada pelo partido político Democratas - DEM, que questiona a constitucionalidade do sistema de reserva de vagas adotado pela Universidade de Brasília - UnB. O relator do caso, Ministro Ricardo Lewandowski, por meio de uma análise minuciosa e atenta a todos os aspectos envolvendo a matéria julgou, baseado em argumentos jurídicos da mesma natureza e estudos científicos elaborados por pesquisadores de diversas áreas,  improcedente tal ação, a saber, o sistema de cotas não fere a Constituição Federal - CF. Mais que isso, o ministro vai além e reconhece os benefícios da diversidade étnico-racial para a comunidade acadêmica e toda a sociedade ao dar um passo inicial e fundamental para a diminuição das desigualdades existentes entre brancos, negros, pardos e índios*.

Para a surpresa dos mais otimistas, que criam num placar um pouco apertado em prol das cotas, o STF foi unânime: 10 votos a favor e nenhum contra. Uma demonstração clara de que o Poder Judiciário, ao menos na sua mais alta hierarquia, tem se voltado para as lutas sociais e outros assuntos cristalizados e reprodutores de distorções históricas na sociedade brasileira. Caso das gestantes de fetos anencéfalos, antes obrigadas a levar adiante uma gravidez mal concebida geneticamente, que a partir de agora têm o direito de interrompê-la sem praticar um delito. Isto somado à aprovação da constitucionalidade das cotas revela o amadurecimento pelo qual tem passado o país. Consequência direta da consolidação da democracia brasileira e da construção de um Estado cada dia mais consciente de seu dever de reparar danos seculares de nossa história.

Contudo, esta unanimidade no STF não encerra o debate, amplia-o e transfere-o para outras esferas, da mesa de bar às bancadas acadêmicas. Não foi uma vitória apenas dos movimentos negros e, sim, de toda a nação, antes vítima da complacência estatal. Prós e contra apresentam diversos argumentos, razoáveis ou não. Pelo que pude apurar, o argumento do DEM, de que as cotas descumprem o artigo 5° da CF - princípio da isonomia formal, é o mais utilizado para alegar a incoerência do sistema. Este raciocínio foi desmanchado pelo STF, uma vez que o artigo 3° - da igualdade material - da mesma CF impele o Estado a "construir uma sociedade livre, justa e solidária", buscando "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais"; bem como destacou-se que a Carta Magna já contempla o estabelecimento de vagas para deficientes, para ficar em alguns argumentos.

Tal polêmica provoca uma reflexão acerca da interação racial no Brasil, cuja discriminação velada e sutil causou profundas desigualdades e injustiças, ao passo que denuncia e desconstrói o "mito da democracia racial". Ações afirmativas têm, em sua provisoriedade, o único objetivo de diminuir estes conflitos e assentar  uma realidade onde todos têm oportunidades iguais e a valorização da diversidade cultural e racial.

Mesmo com tantos avanços econômicos a mobilidade social no Brasil ocorre lenta e insuficientemente, afasta-se de uma concretude material condizente com a riqueza produzida aqui e denota ainda mais a concentração de renda. O racismo brasileiro se reflete nos frios números estatísticos do IBGE**, segundo os quais anos a fio os negros somam a maioria das pessoas abaixo da linha de pobreza. Esta incipiente integração do negro na divisão decorre diretamente de seu passado de exploração e segregação. Ao negro reservou-se a periferia, os espaços subalternos. Foi-lhe negado as condições mínimas para que exercesse plenamente sua cidadania e ainda era obrigado a assumir uma segunda pele*** estranha, incompatível com a sua, resultando por aspectos outros numa figura estereotipada.

A condição da população negra urge por mudança, uma espera que dura mais de cem anos desde a Lei Áurea. Conformar-se só eleva os muros invisíveis - porém sensíveis - dos guetos. Em desvantagem na competição do mercado de trabalho, esses "indesejáveis" estão sentenciados a viver na marginalidade e sem perspectivas. O sistema de cotas das universidades públicas brasileiras enseja uma esperança e cria condições concretas de possibilidades de equalização ao arregimentar profissionalmente os não brancos, índios e negros.

A sociedade brasileira é racista, embora miscigenada desde as suas origens genealógicas mais antigas. Este colorido ao invés de usado para dirimir as práticas racistas servem à sua manutenção dada a incorporação social da ideologia dominante advinda do colonialismo europeu. Lembremos, este é o povo que relega aos seus semelhantes mais pigmentados os piores empregos, cuja mídia teima em representar de modo pejorativo e jocoso. Uma sociedade que não se aceita nem se identifica miscigenada tal como é de fato.

Enquanto os iguais se diferenciarem, enquanto grupos continuarem excluídos das riquezas que eles mesmos produzem e a dignidade humana for desprezada, haverá necessidade de instituir políticas públicas para intervir socialmente e compensar as perdas. Quebremos as correntes. O martelo da sapiência está agora acessível para interromper esse ciclo de exploração. Se não for pela Universidade pluralizada, diversificada e desmitificadora de ideologias depreciativas, por onde se fará a inclusão? Decerto, não através dos presídios onde o negro também é maioria, tampouco servindo à casa grande.

Por uma sociedade verdadeiramente mais igualitária, #CotasSim!

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Links:


** Dados citados no voto do ministro R. L.

*** Artigo de José Jorge de Carvalho. Racismo fenotípico e estéticas da segunda pele. (2008)

Procurando pela imagem ilustrativa desta postagem encontrei este artigo cujo título é bastante provocador: STF extingue cotas de 100% para brancos nas universidades. Vale a pena a leitura.

Um comentário:

Hermogenes Batista Filho disse...

Antes de mais nada, queria trazer uma verdade a tona, o negro no mundo contemporâneo só têm dois meios ao qual pode fazê-lo ascender socialmente, que são: Esporte e Música. Já estamos cansados de escutar nas mídias que “fulano de tal, morava em tal canto, filho de família pobre... conseguiu fama e sucesso ao...”, por um dos dois caminhos citados. Em contrapartida, muito raramente se vê uma notícia de um negro ter destaque no campo da ciência, aos negros são reservados os empregos menos prestigiados e de baixa rentabilidade, e ainda criaram a frase: “Não existe emprego ruim, ruim é não trabalhar”, não tiro a veracidade da frase, mas ao ser observada de perto, em tais empregos, sua maioria é composta por negros, assim, uma frase com violência intelectual, pois camufla o discurso opressor para tais pessoas.

Eu não sou a favor da Cota Racial, sou a favor da Cota Social, uma vez que mudar esse quadro social e educacional existente no Brasil, não pode ser mudado de uma hora para outra, os estudantes da rede pública têm que possuir um meio de conseguir ingressar nas Universidades, porque concorrer com os estudantes da rede privada, que estudam em bons colégios, com bons professores, fazem cursinho em horário contrário e sem preocupações, para as vagas existentes abertamente, fica uma disputa desleal, “sobrando” apenas uma saída, concorrer as vagas de cursos “menos prestigiados” socialmente. Então, enquanto o ensino público não for de qualidade, as Cotas Sociais são a melhor forma de tentar diminuir esse abismo existente em nossa sociedade, pois, só através da técnica existe essa possibilidade, e ela está presente nas faculdades. Quem detém a técnica, detém o poder.